Wednesday, May 11, 2016

Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo relacionadas ao trabalho

Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo relacionadas ao trabalho

Capítulo 18
DOENÇAS DO SISTEMA OSTEOMUSCULAR E DO TECIDO CONJUNTIVO RELACIONADAS AO TRABALHO
(Grupo XIII da CID-10)

18.1 INTRODUÇÃO
O capítulo Doenças do Sistema Osteomuscular e do Tecido Conjuntivo Relacionadas ao Trabalho inclui
entidades representativas de dois extremos da patologia ocupacional: de um lado, doenças antigas, praticamente
inexistentes na atualidade, como a gota induzida pelo chumbo, a fluorose do esqueleto, a osteomalacia e, de outro, o
grupo DORT, também conhecidas por LER ou Cumulative Trauma Disorders (CTD), Repetitive Strain Injury (RSI),
Occupational Overuse Syndrome (OOS) e Occupational Cervicobrachial Diseases (OCD), nos países anglofônicos, de
crescente importância médico-social, em todo mundo.
De acordo com o critério adotado na organização deste manual, utilizando a taxonomia proposta pela CID-10,
algumas doenças consideradas como do grupo LER/DORT – transtornos do plexo braquial, mononeuropatias dos membros
superiores e mononeuropatias dos membros inferiores – estão incluídas em Doenças do Sistema Nervoso Relacionadas
ao Trabalho, descritas no capítulo 11. Assim, os interessados nesse grupo de distúrbios devem reportar-se, também,
àquele capítulo.
Considerando a freqüência e a complexidade de LER/DORT, serão enfocados nesta introdução aspectos
conceituais, epidemiológicos, explicações fisiopatológicas e formas mais gerais de lidar com o problema, antes da
abordagem dos quadros específicos.

As transformações em curso no mundo do trabalho, decorrentes da introdução de novos modelos
organizacionais e de gestão, têm repercussões ainda pouco conhecidas sobre a saúde dos trabalhadores, dentre as
quais se destacam LER/DORT. Esse grupo de transtornos apresenta como características comuns aparecimento e
evolução de caráter insidioso, origem multifatorial complexa, na qual se entrelaçam inúmeros fatores causais, entre
eles exigências mecânicas repetidas por períodos de tempo prolongados, utilização de ferramentas vibratórias, posições
forçadas, fatores da organização do trabalho, como, por exemplo, exigências de produtividade, competitividade,
programas de incentivo à produção e de qualidade. Essas utilizam estratégias de intensificação do trabalho e de
controle excessivo dos trabalhadores, sem levar em conta as características individuais do trabalhador, os traços de
personalidade e sua história de vida.
Considera-se que a maior visibilidade que o problema tem na atualidade decorre, além do aumento real da
freqüência, de uma divulgação sistemática pela mídia, da ação política de sindicatos de trabalhadores das categorias
mais afetadas e da atuação dos serviços especializados ou Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CRST)
no diagnóstico de novos casos e no registro de sua relação com o trabalho.

A norma técnica do INSS sobre DORT (Ordem de Serviço/INSS n.º 606/1998) conceitua as lesões por
esforços repetitivos como uma síndrome clínica caracterizada por dor crônica, acompanhada ou não de alterações
objetivas, que se manifesta principalmente no pescoço, cintura escapular e/ou membros superiores em decorrência do
trabalho, podendo afetar tendões, músculos e nervos periféricos. O diagnóstico anatômico preciso desses eventos é
difícil, particularmente em casos subagudos e crônicos, e o nexo com o trabalho tem sido objeto de questionamento,
apesar das evidências epidemiológicas e ergonômicas.

Os sinais e sintomas de LER/DORT são múltiplos e diversificados, destacando-se:
- dor espontânea ou à movimentação passiva, ativa ou contra-resistência;
- alterações sensitivas de fraqueza, cansaço, peso, dormência, formigamento, sensação de diminuição,
perda ou aumento de sensibilidade, agulhadas, choques;
- dificuldades para o uso dos membros, particularmente das mãos, e, mais raramente, sinais flogísticos
e áreas de hipotrofia ou atrofia.
Para o diagnóstico, é importante a descrição cuidadosa desses sinais e sintomas quanto à localização,
forma e momento de instalação, duração e caracterização da evolução temporal, intensidade, bem como aos fatores
que contribuem para a melhora ou agravamento do quadro.

A incidência de LER/DORT em membros superiores aumentou dramaticamente ao longo das últimas décadas
em todo o mundo. Estudos realizados nos EUA apontam que cerca de 65% de todas as patologias registradas como
ocupacionais são de LER/DORT, observando-se que, nas empresas com mais de 11 empregados do setor privado
daquele país, a incidência estimada dessas patologias é de 10 por 10.000 homens. A relação horas trabalhadas/ano
pode determinar incidência mais alta em alguns setores, como, por exemplo, em atividades que exigem do trabalhador
uso de força e de repetição comum em linhas de produção de frigoríficos, em bancos, em videoterminais, em caixas de
supermercado, em seções de empacotamento, entre outras.

No Brasil, o aumento na incidência de LER/DORT pode ser observado nas estatísticas do INSS de concessão
de benefícios por doenças profissionais. Segundo os dados disponíveis, respondem por mais de 80% dos diagnósticos
que resultaram em concessão de auxílio-acidente e aposentadoria por invalidez pela Previdência Social em 1998. O
mesmo fenômeno pode ser observado na casuística atendida nos CRST na rede pública de serviços de saúde (Núcleo
de Referência em Doenças Ocupacionais da Previdência Social – Nusat, 1998).
A compreensão dos mecanismos fisiopatológicos de LER/DORT é importante para orientar as condutas
terapêuticas a serem adotadas para com o paciente e os procedimentos de prevenção e vigilância em saúde dos
trabalhadores expostos ao risco de adoecer.
Diante do aumento da freqüência de LER/DORT, estudiosos têm tentado explicar sua gênese por meio de
várias teorias. Serão apresentadas, a seguir, características de algumas delas. Apesar das dificuldades decorrentes da
falta de um conhecimento sedimentado sobre o tema, parece estar se formando o consenso de que LER/DORT resultam
do entrelaçamento de três conjuntos de fatores envolvidos na dor músculo-esquelética:
- fatores biomecânicos presentes na atividade;
- fatores psicossociais relacionados à organização do trabalho;
- fatores ligados à psicodinâmica do trabalho ou aos desequilíbrios psíquicos
gerados em certas situa-ções especiais de trabalho na gênese do processo de adoecimento.

A primeira hipótese explicativa para a doença foi a biomecânica, segundo a qual o surgimento de problemas
músculo-esqueléticos relacionados ao trabalho seria devido às reações adversas do organismo em resposta às exigências
biomecânicas da atividade, em tese, superiores à capacidade funcional individual. Para verificação dessa hipótese,
torna-se necessário quantificar as exigências mecânicas sobre os tecidos moles e observar as reações desses tecidos.
Essas reações podem ser mecânicas, com variação do comprimento, volume ou ruptura das estruturas, ou fisiológicas,
observando-se mudanças na vascularização, nutrição, concentração iônica e nas características do potencial de ação
muscular.

Entretanto, a partir das evidências de desenvolvimento de síndromes dolorosas músculo-esqueléticas em
trabalhadores não-expostos a tarefas com forte componente físico ou biomecânico, iniciou-se a investigação da
contribuição de fatores psicossociais presentes nos ambientes de trabalho ao adoecimento. Esses estudos permitem
afirmar a importância da organização do trabalho para o desenvolvimento das lesões, ou seja, os fatores biomecânicos
constituem fatores de risco, dependendo das margens que a organização do trabalho deixa para que o indivíduo
organize sua atividade, podendo, assim, evitar a exposição ao fator biomecânico (Assunção, 1998). Além disso, as
características individuais, os traços de personalidade e as marcas da vida que o trabalhador traz podem redimensionar
os fatores de risco presentes nos ambientes de trabalho. Por exemplo, uma fratura mal consolidada pode gerar uma
deformação no trajeto do tendão tornando-o mais susceptível ao atrito provocado pela ferramenta manual de trabalho.

A associação entre os fatores psicossociais e os problemas osteomusculares dolorosos não está ainda
totalmente esclarecida. Entretanto, estudos indicam que o limiar para a dor pode estar relacionado com o modelo
exigência-controle-suporte social. Segundo esse modelo, trabalhadores submetidos a altos níveis de exigências
psicológicas no trabalho e com poder de decisão têm um aumento do limiar da dor, enquanto pessoas com pequenas
possibilidades de decisão no trabalho apresentam menor limiar. Assim, pode-se inferir que sob altos níveis de exigência
psicológica há uma maior mobilização de energia, com supressão da sensibilidade dolorosa, o que poderia ocasionar
maior risco de desenvolver, a longo prazo, alterações nos tecidos músculo-esqueléticos, uma vez que dor, como sinal
de alerta, está ausente. Por outro lado, o pouco poder de decisão contribui para o desenvolvimento da depressão, o
que explicaria o baixo limiar, tornando os indivíduos mais sensíveis à dor.


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